Mulheres e desejo: Por que o prazer não diminui com a idade e como se reconectar com ele

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O desejo feminino não tem prazo de validade. Descubra como pequenas mudanças de mindset e a redescoberta do próprio corpo podem ajudar você a se reconectar com sua sexualidade e a vivenciar o prazer com confiança em qualquer idade, mesmo diante de alterações hormonais ou fases de transição na vida.

O prazer feminino costuma ser ignorado, mal compreendido ou deixado de lado, especialmente quando as mulheres chegam à meia idade. Neste mês, no Outros Olhares/Outras Vozes, eu conversei com a Marie Morice, sexóloga clínica e fundadora do The Pleasure Atelier™. Marie ajuda mulheres a lidarem com o desejo, as mudanças no corpo e a intimidade com acolhimento, honestidade e zero julgamento. Seja na perimenopausa, após um divórcio ou simplesmente quando você sente que perdeu a conexão consigo mesma, Marie acredita que o prazer não é algo que deixamos para trás com o tempo. É algo que podemos resgatar.

Nesta conversa, falamos sobre os tabus que ainda cercam a sexualidade feminina, como voltar a se conectar com o próprio corpo e os pequenos, porém poderosos passos que podem te ajudar a resgatar o prazer, no seu próprio ritmo e do seu jeito.

Mitos e tabus sobre o prazer feminino

Você trabalha com mulheres que desejam desenvolver autoconfiança sexual ou aprofundar a intimidade em seus relacionamentos. Quais são alguns dos mitos ou tabus mais comuns que ainda influenciam a forma como as mulheres se relacionam com sua sexualidade e com o prazer, especialmente com o passar dos anos?

Um dos tabus mais persistentes é a ideia de que o prazer feminino desaparece, ou deveria desaparecer, com a idade. Somos condicionadas a acreditar que o desejo é algo que pertence à juventude, e que depois de ter filhos, chegar aos 40 anos ou passar pela menopausa, a sexualidade se torna irrelevante ou invisível. Isso simplesmente não é verdade. Na verdade, muitas das mulheres com quem trabalho estão descobrindo novas dimensões do prazer na meia idade, justamente quando deixam para trás alguns dos papéis e expectativas que foram impostos a elas.

Também existe uma vergonha profundamente enraizada em relação ao próprio desejo feminino. Somos ensinadas a sermos desejáveis, não a desejar. Muitas mulheres carregam uma culpa internalizada por quererem mais: mais sensação, mais descoberta, mais intimidade. E, culturalmente, ainda é muito mais comum falarmos sobre o prazer masculino do que sobre a autonomia e a excitação feminina. Precisamos normalizar o fato de que a sexualidade da mulher é complexa, intensa e presente ao longo de toda a vida, não é algo que tem prazo de validade nem que existe apenas para servir aos outros.

Como as mudanças hormonais e corporais podem afetar o desejo feminino

Quais mudanças, físicas, hormonais ou psicológicas as mulheres devem conhecer, e como a compreensão dessas transformações pode ajudá-las a vivenciar o prazer de novas formas?

As mudanças hormonais, especialmente durante a perimenopausa e a menopausa, podem afetar o desejo, a excitação, a lubrificação vaginal, o sono e o humor. Mas essas transformações não seguem um padrão linear nem são iguais para todas. Algumas mulheres sentem uma queda na libido, enquanto outras se sentem libertas dos ciclos hormonais ou do medo de uma gravidez, e vivenciam um aumento na liberdade sexual. O mais importante é entender que essas mudanças não são problemas a serem resolvidos, mas convites para ouvir o corpo com mais atenção.

Culturalmente, medicalizamos tanto a menopausa que ela passou a ser discutida apenas como um processo de declínio. Mas o desejo não desaparece, ele evolui. Aprender como seu corpo agora responde ao toque, à fantasia ou à conexão pode abrir novos caminhos para o prazer. Por exemplo, uma excitação mais lenta ou um desejo espontâneo menos frequente não significam perda de sexualidade. Pode simplesmente ser que, agora, sua excitação precise de mais intencionalidade, presença e paciência. E com o apoio certo, seja terapia de reposição hormonal, lubrificantes ou orientação sexual, muitas mulheres descobrem que essa fase pode ser uma verdadeira renovação sexual.

Quais são algumas das principais preocupações ou padrões que você percebe quando o assunto é o prazer feminino, especialmente em períodos de mudança como a perimenopausa, o pós-divórcio ou outras transições na meia idade?

Um padrão recorrente é a sensação de estar desconectada do próprio corpo, não apenas fisicamente, mas também emocionalmente. Depois de anos dedicados ao cuidado com os outros, ao relacionamento ou à carreira, muitas mulheres me dizem que se sentem anestesiadas, distantes de seus próprios desejos ou sem saber por onde começar a redescobri-los. Também existe um luto, especialmente depois do divórcio, um luto pelo tempo perdido, pelas necessidades não atendidas ou pela versão de si mesmas muitas vezes silenciada para manter a harmonia.

Mas neste espaço de mudança, também vejo uma coragem incrível. Estes momentos provocam um despertar interior. Muitas vezes, surge uma pergunta silenciosa, mas poderosa: O que eu quero agora? E é a partir daí que começamos a construir. Trata-se de voltar a colocar o prazer como prioridade, não para agradar alguém, mas por você mesma.

Pequenos passos para resgatar o prazer feminino

Que passos simples, mas transformadores, as mulheres podem dar para começar a explorar ou resgatar o próprio prazer, especialmente se estiverem desconectadas dele há algum tempo?

Comece se dando permissão. O prazer não é egoísmo, é algo revitalizante. Uma prática simples que eu recomendo é reservar dez minutos por dia para se reconectar com a sua sensualidade. Isso pode ser um banho com presença, um toque em si mesma de forma lenta e consciente, dançar ao som de uma música que você ama ou até escrever sobre seus desejos em um caderno. Não se trata de orgasmo ou desempenho, mas de se escutar e entrar em sintonia consigo mesma.

Outro passo é cultivar a curiosidade sobre o que te desperta prazer hoje. Isso pode ser diferente do que era há dez anos. Experimente explorar contos eróticos, áudios guiados para a exploração do próprio prazer ou simplesmente dar nome ao que você gostaria de viver com mais intensidade na sua intimidade. Você não precisa fazer tudo de uma vez. Pequenas mudanças, como respirar de forma mais profunda durante o toque ou dizer em voz alta “eu quero...”, podem ser transformadoras.

Busque também espaços onde a sexualidade seja celebrada, e não tratada como um problema. Isso pode ser um workshop, um podcast ou uma profissional de confiança. Muitas vezes, a mudança mais poderosa acontece quando você percebe que não está sozinha. Tantas mulheres estão fazendo as mesmas perguntas, desejando a mesma reconexão. Cada mulher tem seu tempo. E você está exatamente no tempo certo.

Photo of Marie Morice
Em um nível mais pessoal, que práticas ou mindsets você procura manter vivos na sua própria jornada como mulher que escolhe priorizar o bem-estar sexual e o prazer?

Procuro me manter espontânea e curiosa. O desejo não é algo estático, ele evolui e eu também. Uma das coisas que priorizo é o prazer a sós como uma forma de me ancorar emocionalmente, não apenas como uma liberação sexual. É um espaço onde eu me encontro comigo mesma, de forma crua, honesta, sem julgamentos. Também celebro o prazer de maneiras não sexuais, por meio do movimento, de aromas, da música, até na forma como me visto ou me alimento. A sensualidade é um mindset, não uma meta final.

E eu me lembro disso com frequência: eu não preciso “merecer” o prazer. Não preciso estar com um certo tipo de corpo, nem em um determinado estado de espírito ou fase da vida. O prazer é um direito que me pertence.

Uma Lilith moderna: O que as narrativas podem nos ensinar sobre o desejo

Em Manhunting in Manhattan, Lilith, uma mulher de pouco mais de 40 anos recém-solteira, começa a se reconectar com uma parte de si que esteve reprimida por muito tempo, explorando temas como sexualidade, prazer feminino e tabus. O que te inspirou a escrever essa história e como você espera que ela abra espaço para mais conversas e conexões em torno do prazer feminino?

Na mitologia, Lilith foi a primeira esposa de Adão, criada como sua igual, mas expulsa por se recusar a se submeter. Ela disse não, deixou o Éden e escolheu o exílio em vez da obediência. Com o tempo, Lilith se tornou um símbolo de resistência, sensualidade e autonomia feminina. Vejo nela um arquétipo poderoso para mulheres que não estão mais dispostas a se diminuir ou a pedir desculpas por quererem mais.

A história de Lilith é, de muitas formas, a minha e a de tantas outras mulheres. Após o divórcio, me vi navegando por um mundo de encontros, desejo e descobertas que eu nunca tinha realmente vivido antes. Houve vergonha, empolgação, curiosidade e muitas situações engraçadas. Quis escrever uma história que capturasse esse processo bagunçado e ao mesmo tempo eletrizante de despertar para o corpo, os limites e os próprios desejos.

O nome Lilith não foi escolhido por acaso. Ao escrever Manhunting in Manhattan, eu quis canalizar essa energia. O livro é ficção, mas está enraizado em uma verdade: o prazer é político, é pessoal e profundamente curador.

Essa mesma verdade foi o que me levou a criar The Pleasure Atelier™. Enquanto Manhunting oferece às mulheres uma história com a qual elas podem se identificar, The Pleasure Atelier™ oferece um espaço para viver essa história, para explorar o prazer na vida real, do seu próprio jeito. É um espaço de autodescoberta, sensualidade e permissão.

O que está no horizonte?

Para finalizar, que mudanças você gostaria de ver na forma como a sociedade fala sobre a sexualidade feminina e oferece apoio às mulheres nesse aspecto?

Eu adoraria ver a sexualidade sendo tratada como uma parte essencial do bem-estar feminino, assim como a alimentação, a saúde mental ou o movimento do corpo. Isso significa oferecer uma educação de qualidade, ter representações na mídia que reflitam os desejos e os corpos reais das mulheres e contar com sistemas de saúde que não ignorem sintomas relacionados à sexualidade nem tratem o prazer com vergonha.

Precisamos parar de reduzir a sexualidade feminina à reprodução ou à estética. O prazer não é um luxo, é consciência, energia e cura. Ele nos mostra onde nos sentimos seguras, o que nos desperta e do que precisamos mais. Quando as mulheres podem explorar isso sem estigma, toda a sociedade se beneficia. Quero ver ambientes de trabalho falando sobre menopausa e desejo sem constrangimento, médicos perguntando sobre o bem estar sexual como parte da prática comum e mais representatividade de mulheres mais velhas, com orientações sexuais e expressões de gênero diversas, nas conversas sobre sexualidade. É exatamente isso que estou construindo com The Pleasure Atelier™, um espaço onde o prazer é tratado como essencial, não como algo extra. Por meio de workshops, mentoria e de um verdadeiro senso de comunidade, estamos criando uma nova forma de olhar para a sexualidade feminina, uma abordagem em que ela é respeitada, explorada e celebrada. No fim das contas, eu quero que o prazer seja reconhecido como uma fonte de poder. Porque ele é.

Nota final:

Obrigada à nossa convidada, Marie, por trazer luz, leveza e sabedoria profunda a um tema que merece muito mais conversas abertas e empoderadoras. Marie nos lembra que o prazer não é um luxo nem uma fase, ele faz parte de quem somos. É essencial para o nosso bem estar, para a nossa identidade, e toda mulher merece ter acesso a ele, em qualquer idade.

Se você quiser explorar esse tema por meio da ficção, o romance Manhunting in Manhattan oferece uma abordagem poderosa e leve ao mesmo tempo. Inspirado no mito de Lilith, o livro conta a história de uma mulher redescobrindo seu desejo e sua voz depois de anos em silêncio, uma jornada que reflete a realidade vivida por muitas. O livro está disponível para compra e é uma leitura ousada, divertida e que toca no lado mais real da experiência feminina.

Sobre a Convidada: Marie Morice

Marie é terapeuta sexual e tem como paixão apoiar mulheres a colocarem o prazer e o bem estar em primeiro lugar. Ela também é fundadora do The Pleasure Atelier™, um espaço acolhedor onde o prazer é tratado como essencial, e não como algo opcional.

Por meio do seu trabalho terapêutico, workshops e escrita, Marie ajuda mulheres a se sentirem mais confiantes, conectadas e realizadas sexualmente em todas as fases da vida. Ela está redefinindo a forma como a sexualidade feminina é explorada e celebrada, por meio de conversas abertas e ao incentivar mulheres a construírem uma relação mais profunda com seus corpos, seus desejos e com elas mesmas..

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