Eu não esperava que a culpa andasse de mãos dadas com a maternidade, mas a realidade é cruel, e no meu caso, descobri que ela anda abraçada. Na verdade, ela apareceu antes mesmo de eu me tornar mãe.
Tudo começou quando eu ainda estava grávida da minha primeira filha. Eu sentia pavor do parto normal. Não era só nervosismo. Eu ficava petrificada. Lembro de um dia em que voltei para casa depois de mais uma consulta com psicólogos, olhei para o meu marido e disse:"Eu não faço ideia de como esse bebê vai nascer, porque se não for por cesárea, com certeza também não será por parto vaginal" (o chamado parto normal). Chorei por horas. Não porque eu não quisesse dar à luz, mas porque me sentia completamente invisível. Eu entendia os benefícios do parto vaginal, de verdade. Mas tudo o que pareciam querer era me convencer, não me apoiar. E ninguém me ajudava a lidar com os meus medos. Hoje percebo que aquelas consultas não eram para compreender o que eu sentia, mas sim para me convencer do contrário.
Apesar de nos dizerem que tínhamos escolha, naquela época (mais de 10 anos atrás no Reino Unido), não parecia uma escolha de verdade. Havia julgamento. Havia vergonha. Eu nem conseguia dizer em voz alta durante as aulas de pré-natal “Eu quero uma cesárea agendada.”Eu sentia tanta vergonha dos meus medos e inseguranças em relação ao parto vaginal.
Só três semanas antes do nascimento da minha filha é que o obstetra finalmente concordou. Eu fiquei aliviada, sim. Mas aquela vergonha permaneceu comigo. E talvez ali tenha começado algo mais profundo: a sensação de não estar à altura do ideal da mãe perfeita.
E mesmo agora, enquanto escrevo este texto, sinto a necessidade de me justificar. Não estou questionando o sistema, nem tentando argumentar sobre tipos de parto. Estou apenas compartilhando a minha experiência e reconhecendo a culpa que veio junto com ela.

Quando a amamentação não sai como o esperado
Quando a minha filha nasceu, entrei naquele mundo do qual todo mundo fala, o suposto mundo mágico da maternidade. Mas não era tudo mágico. Vieram os tropeços, os altos e baixos. Eu não consegui amamentar. Uma cirurgia que fiz aos 18 anos havia danificado os ductos mamários, algo que só fui entender mais tarde. Mas, na época, tudo o que eu sentia era fracasso.
Eu tinha uma fantasia, como tantas outras mulheres. Acreditava que amamentaria a minha filha assim como a minha mãe fez comigo. Que seria natural. Intuitivo. Mas não foi. Mesmo com as enfermeiras dizendo que tudo parecia bem, minha filha perdeu quase 14% do peso de nascimento nos seus primeiros dez dias de vida. Corremos para o hospital, e eu nunca vou esquecer o tom duro da voz da pediatra, o medo, e a sensação de que eu tinha falhado com minha filha da forma mais básica possível.
Foi então que veio o comentário de uma consultora de amamentação:“Talvez seja porque ela nasceu por cesárea. Talvez vocês não tenham criado o vínculo emocional durante o processo de parto.” Culpa em cima de culpa. Só alguns dias depois é que uma alma generosa finalmente me explicou que o verdadeiro motivo da minha dificuldade em amamentar era a cirurgia, e não a cesárea. Mas, até ali, a culpa já tinha se instalado dentro de mim.
Até hoje, quando minha filha enfrenta dificuldades na escola ou fica doente, uma parte de mim se pergunta: Será que é porque eu não consegui amamentá-la direito?
Entre dois mundos: maternidade e carreira professional
Mas isso foi só o começo. A culpa materna tem muitas facetas. Eu vivo entre dois mundos, tentando o tempo todo equilibrar o desejo de ter uma carreira com propósito e a vontade de ser uma mãe presente e emocionalmente disponível.
Eu quero os dois. E na maioria dos dias, sinto que estou falhando nos dois.
Às vezes, eu queria ser uma coisa ou outra. Ou uma mulher totalmente dedicada à carreira professional, terceirizando os cuidados das crianças com confiança e crescendo no trabalho, ou uma mãe em tempo integral, entregue por completo a essa identidade. Mas eu não sou nenhuma das duas. Eu sou as duas. E, no meio disso tudo, existe a culpa.
Uma vez, uma das minhas primas me contou que, com apenas três meses de licença-maternidade, ela já não via a hora de voltar ao trabalho. Ela achava exaustivo ficar em casa em tempo integral com o filho. Eu senti inveja, porque ela sabia o que queria. Ela sabia o que funcionava para ela e não sentia vergonha disso. E por que sentiria? Os filhos dela estão prosperando. E ela também. Ela assumiu a própria verdade, algo que eu ainda estou tentando entender em mim mesma. Também ajuda o fato de que, no Brasil, o cuidado infantil é relativamente mais acessível do que no Reino Unido, o que torna certas escolhas mais viáveis para as famílias de lá.
Outra camada de culpa vem do fato de criar minhas filhas tão longe da minha família no Brasil. Elas não estão crescendo cercadas de primos, avós, tias e tios como eu cresci. Elas não brincam na rua até o pôr do sol. Não há almoços de domingo espontâneos com a casa cheia de risadas. A gente costuma dizer que é preciso uma aldeia para criar uma criança. Mas também é preciso uma aldeia para apoiar uma mãe. E, nesta parte do mundo, a minha aldeia muitas vezes parece distante. Existe um sentimento de perda nisso também. Um sentimento que carrego junto com a culpa.
É possível se libertar da culpa materna?
Eu não sei se a culpa materna nos abandona de verdade. Mas sei que falar sobre ela em voz alta já ajuda. É importante reconhecer que a culpa não é uma medida do nosso amor. Muitas vezes, ela só reflete os padrões impossíveis que impomos a nós mesmas.
Somos mães. Mas também somos mulheres, pessoas com sonhos, experiências vividas e um futuro pela frente. Então, se você, assim como eu, vive entre dois mundos: querendo ser uma boa mãe, mas também ter uma carreira; desejando tempo e espaço, mas também estar presente nas atividades dos filhos, vale lembrar que não precisamos ter todas as respostas. Talvez apenas reconhecer esse vai e vem já seja um começo. E talvez, só talvez, esteja na hora de começarmos a cuidar de nós mesmas com o mesmo amor que oferecemos aos nossos filhos. Estou começando a aceitar que eu não sou uma supermulher, e talvez eu nunca tenha precisado ser.
E enquanto eu terminava de publicar este post no meu blog, minha filha mais nova veio me dar boa-noite. Ela leu um trechinho, o suficiente para entender sobre o que era. Então me deu um abraço apertado e disse: “Mamãe, você não está falhando comigo.”